Bolinhas pra cá, bolinhas pra lá: a estampa poá tem seus altos e baixos na moda, mas segue relevante há mais de 300 anos. Embora seja relacionada aqueles visuais caricatos e ultrapassados, a padronagem, que ganhou notoriedade no século 19 durante a Revolução Industrial, mostra que entre o vai e vem das tendências, ela sabe muito bem como se reinventar e absorver o espírito do tempo.
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Etimologia: a história da estampa poá entre continentes
Em cada lugar as bolinhas recebem um nome. Por aqui, abrasileiramos o ‘pois’ francês, que significa ervilha e é uma entre tantas expressões estrangeiras que permeiam nosso vocabulário fashion. Em espanhol, ao buscar por estampado de lunares, encontramos uma profunda relação histórica com o flamenco: as bolinhas surgiram de um defeito de fabricação têxtil que tornava os tecidos baratos e acessíveis, passando a ser a matéria-prima dos trajes das trabalhadoras agrícolas andaluzas – dando origem ao traje flamenco moderno.
Em inglês, o termo polka dots surgiu da dança polca, de origem tcheca, (o mesmo lugar de onde veio o boho) muito popular nos Estados Unidos e Europa durante o século 19. Supostamente, a expressão apareceu pela primeira vez em 1857, nas páginas da revista norte-americana Godey’s Lady’s Book (1830-1898), precursora das publicações de moda e lifestyle modernas. No texto, a revista descreveu “um lenço de musselina, leve e ideal para o verão, com borda ondulada, bordada com fileiras de polka dots”.

Mas antes mesmo de ganhar nome próprio, tecidos com bolinhas já circulavam pela Europa. Na Suíça, havia o “Dotted-Swiss”, um tecido de algodão transparente com pequenas bolinhas em relevo; na Alemanha, o “thalertupfen” exibia círculos grandes como as próprias moedas da época. Já na França, o “quinconce”, descrevia um conjunto de cinco bolinhas, lembrando o layout dos dados.
Além da América e Europa
Voltando o olhar para o Oriente, a técnica milenar de tingimento shibori, originária da China e adotada pelo Japão, já criava uma delicada grade de círculos brancos sobre um fundo índigo escuro. A técnica indonésia batik, utilizava gotas de cera para criar padrões de pequenos círculos perfeitos. Artistas aborígenes australianos também usam padrões de pontos há séculos, criando um gênero artístico inteiro chamado “pinturas de pontos”.
Na África, já no século XII, tecidos grossos e resistentes eram tingidos com lama fermentada, criando o que é chamado de tecido de lama, apresentando padrões de pontos e ziguezagues.
Estampa poá: de mau presságio a símbolo de modernidade
Voltando ainda mais no tempo, durante a Idade Média europeia, os simbolismos de movimento e diversão atribuídos à estampa poá passavam bem longe: as bolinhas eram vistas como um mau presságio. O padrão remetia à manchas causadas por erupções cutâneas, por conta de doenças como lepra, varíola e sífilis.
Nos séculos XVII e XVIII, a Europa já havia superado a Idade Média e muitas doenças tinham sido erradicadas. Naquela época, os tecidos eram feitos à mão, em pequenos teares. Certamente existiam estampas de bolinhas, mas círculos perfeitamente redondos com espaçamento exato eram difíceis de se obter manualmente. Com a chegada da Revolução Industrial na década de 1760, os processos mecanizados tornaram possível a estampa de bolinhas perfeitamente redonda e simétrica.
Com a estampa poá sendo reproduzida em escala e perfeição pelas máquinas, o padrão passou a simbolizar a modernidade industrial. Tecidos com poá tornaram-se a vanguarda da moda e objeto de desejo entre as damas da sociedade – um verdadeiro luxo tecnológico da época.



Século 20: a consolidação da estampa poá na cultura pop
Durante o século 20, a estampa poá se consolidou na cultura e no imaginário coletivo, aparecendo em momentos memoráveis, integrando cada vez mais significados.
Anos 1920 a 1940
Apesar de não aparecer no característico visual das melindrosas, as bolinhas já começaram a dar as caras nos loucos anos 20. Norma Smallwood, vencedora do concurso Miss América de 1926, usou um maiô com a padronagem e, dois anos mais tarde, as bolinhas apareceram estampando o clássico vestido da Minnie.
A estampa poá foi até tema de música de Frank Sinatra: a canção ‘polka dots and moonbeams’, teve um grande impacto cultural nos anos 1940. Ainda na mesma década, em 1946, Katharine Hepburn protagonizou o filme ‘A Mulher do Ano’ e usou um vestido de poá branco com bolinhas pretas.

Anos 1950
No que viria a ser a década das pin ups, Christian Dior lançou o icônico vestido estampa poá “Porto Rico” da coleção de Alta-Costura outono inverno 1954. O modelo foi um dos mais vendidos pela marca naquele ano e seguia a silhueta no New Look, que recuperava os traços de feminilidade deixados de lado durante a Segunda Guerra.
Mas se quando falamos em estampa poá você se lembra de Marilyn Monroe, está fazendo as relações certas! A estrela da década de 1950 fez diversas aparições com a padronagem, além de nomes como Chili Williams e Hedy Lamarr, que também contribuíram com a popularidade da estética pin up de bolinhas.
Ainda na década de 1950, Lucille Ball, protagonista de ‘I Love Lucy’, foi uma das atrizes mais assistidas de sua geração. Seus figurinos contribuíram tanto para seu humor quanto para sua influência – não à toa, seus vestidos de poá se tornaram icônicos.

Anos 1960 a 1990
Na agitada década de 1960, as divas dos anos 1950 já não eram mais as queridinhas da moda; elas foram substituídas por uma mulher mais jovem, que mostrava as pernas em saias curtas e ouvia rock n’roll. Quanto à estampa poá, ela se tornou parte do estilo mod nos looks de Twiggy e Goldie Hawn, mas também figurou os visuais presidenciais de Jackie Kennedy e ajudou a consolidar Audrey Hepburn como um ícone de estilo.
E mais uma vez, a música tornou as bolinhas ainda mais populares: ‘itsy bitsy teenie wennie yellow polka dot bikini’, interpretrada por Brian Hyland atingiu a primeira colocação na lista Top 100 da Billboard e foi regravada aqui no Brasil como ‘biquíni de bolinha amarelinho’, na voz de Celly Campello.

Nos anos 1980, transitando entre a tradição da realeza e espontaneidade pop, Lady Di fez do poá um dos seus símbolos de estilo, aparecendo em diversos momentos marcantes com o print, dos vestidos de silhueta clássica usados em compromissos oficiais, aos looks mais leves das aparições informais. Na mesma década, Prince também usou um efusivo terno com a estampa, combinando com suas botas e com o mood da era Lovesexy.
Na cultura queer, Leigh Bowery, performer e artista dos anos 1980 e 1990, transformou a estampa em arte. Ele se tornou referência para estilistas como Alessandro Michele, Martin Margiela e Rei Kawakubo, provando que o poá podia, sim, ser subversivo.
Em 1990, Julia Roberts eternizou a estampa poá no cinema em mais um momento icônico na cultura pop, quando interpretou Vivian Ward em Uma Linda Mulher – uma escolha de figurino que remetia ao – agora familiar – arquétipo da mulher sensual e domesticada, personificado por Monroe anos antes.
Visões contemporâneas
Como um bom clássico repleto de histórias e simbolismos, a estampa poá carrega uma influência que transcende seu tempo e se mantém relevante, atravessando gerações e incorporando novos significados a cada vez que reaparece no vai e vem das tendências. Já fez parte tanto da linguagem inocente, feminina e divertida, quando de estéticas ousadas, criativas e subversivas.
A estampa poá está tão engendrada na nossa cultura que já virou até meme: lembra quando, em 2019, o vestido mídi de mangas longas da Zara com estampa de bolinhas viralizou? O perfil @hot4thespot foi criado para registrar sua onipresença e se tornar um símbolo da homogeneidade que a globalização propõe.

No contexto atual, é fácil perceber sua crescente ascensão. A Miu Miu, no outono 2023, foi uma das primeiras marcas a reacender o desejo pela padronagem. Nos anos seguintes, a presença das bolinhas na passarela e no street style reviveu uma grande ascensão. O seu retorno nos anos 2020 pós-pandemia, pode ser visto por dois ângulos: sintomas do conservadorismo, ou o clássico escapismo que a moda costuma se apropriar em períodos pós traumáticos.
Ao longo dos séculos, a estampa poá já simbolizou doenças e desordem, modernidade industrial, feminilidade romântica, rebeldia pop, humor, ironia e até resistência estética. Sua força está justamente nessa maleabilidade semiótica: as bolinhas refletem os tempos, absorvem tensões culturais e traduzem o estado emocional de cada era. No futuro, é provável que siga transitando entre o clássico e o experimental, ora nostálgica, ora provocativa, mas sempre espelhando o zeitgeist.
Em alguns momentos as bolinhas são vistas como ultrapassadas, mas, na efêmera linguagem da moda, todo clássico viverá seu declínio e seu apogeu. E o poá segue firme, forte, resiliente e relevante.



